quarta-feira, 12 de setembro de 2007

Asas de Ícaro

Asas de Ícaro

É impressionante como o fim dos "loiros" anos de sua vida foi subitâneo. À míngua de explicações e à evidência da impossibilidade de uma eventual reconciliação, restou-lhe chorar por alguns dias e se resignar, como de costume.
A vida teria que ser nova e a jornada, por certo, não seria fácil! Por um instante, parou para pensar nas grandes mudanças que se lhe apresentavam e como deveria se portar diante delas. Ponderou que, na prática, era necessário se acostumar a não ter ninguém a esperá-lo à noite (embora isso nem sempre acontecesse antes); a dormir e acordar sem companhia (as profissões diferentes já o tinham feito aprender o quanto isso é difícil); a fazer as refeições habituais no silêncio da solidão (como vinha sendo nos últimos anos). Foi aí que percebeu que pouca coisa realmente mudaria além de seu endereço.
Àquela altura, enxergava que o problema maior seria passar os próximos dias lutando contra um enorme sentimento de rejeição, abandono. Como consolo, ouvia amigos próximos e distantes (impressionante a similitude dos conselhos!) a dizer-lhe que tudo passaria. Era só uma questão de tempo - essa figura que transcende à física e serve para medir o momento em que conseguimos esquecer nossos sentimentos – inclusive os piores!
Foi assim que, no início, enxergou-se num imenso vazio: era jangada à deriva na imensidão verde do oceano, com direito ao engulho habitual dos marujos iniciantes. Passou algum tempo - provavelmente mais do que deveria - experimentando essa desnecessária (?) sensação. Contudo, o mesmo marulho que lhe fez sentir náuseas o trouxe para terra firme. Pisou-a pela primeira vez numa terça-feira quente, quando a morena brejeira lhe sorriu. Não que tenha sido um sorriso malicioso. Na verdade, mais pareceu uma demonstração de benevolência do que mesmo algo lascivo. Não fez diferença. Como um náufrago que avista uma embarcação ao longe ou um sertanejo que sente uma gota cair do céu no chão rachado da caatinga, viu naquela boca uma esperança. De quê? Não sabia! Mas aquele sentimento lhe bastava!
Substituiu a tristeza anterior por uma inquietação incômoda: aquele sorriso precisava ser seu. Mas como fazer para atraí-lo? Sabia que não era um homem bonito. O corpo sentia o peso de um longo casamento; os cabelos rareavam pela força da genética - maldito Mendel! Ora, mas lhe restavam ainda boas idéias, uma conversa agradável e uma grande poesia no peito. Era disso que precisava. Mas, pelo que lembrava, essas "virtudes" costumavam agradar apenas às balzaquianas (e só a algumas). Poderia não funcionar com uma cabrocha. Entretanto, como tentar era a única coisa que lhe restava, seguiu sem saber aonde iria.
Foram visitas diárias e longas conversas. Depois de frustradas tentativas, algum vinho e muita poesia, os lábios se acabaram por tocar. A essa altura, ele já havia esquecido por completo a "brancura" do seu último amor. Queria mesmo era se apossar daquele "entardecer" e seus mistérios, personificados na jovem que ora se apresentava incrivelmente ingênua ora por demais astuta. A cada beijo, era como se lhe pusessem asas: ali estava o verdadeiro Ícaro. Resolveu aproveitar as sensações, embora muitas vezes se julgasse tolo como um adolescente por fazê-lo. E foi exatamente isso que aconteceu: viveu uma paixão pueril, daquelas em que uma das partes se entrega e expõe, na expectativa de que está a viver um grande romance e recebe, em troca, um nada, sem significado ou justificativa.
Precisou sentir para perceber que as asas que lhe apareceram depois dos primeiros beijos, tais quais as de Ícaro, foram também moldadas com pena e cera. Talvez os beijos tenham sido muito molhados ou sua paixão (era isso mesmo?) quente demais, o que as desfez. Não há dúvidas de que a morena poderia tê-lo alertado, tal qual Dédalo fez com seu filho, sobre a fragilidade daquela plumagem. Mas não quis. De fato, não se pode cobrar isso dela - mesmo tendo a certeza de que a falta de aviso foi proposital. Mas isso é assunto para outro dia...
Fato é que o rapaz caiu em pleno vôo. Mas a queda não foi dolorosa - nem um pouco! Ele aprendeu que a primeira grande dor (de amor) pode ser a derradeira, bastando, para isso, que se queira aprender com ela. Foi o que fez! E enquanto tiver a sensação de que os tropeços não serão tão doridos, continuará a tentar. Afinal, o que é a vida senão um eterno aprendizado? E assim ele segue, na cadência do mar, esperando aportar sua pequena embarcação numa próxima ilha - pequena que seja. Se aquela será seu porto seguro? Já não acredita nem se importa... Se terá asas de novo algum dia? Bem, caso as venha a ter, vai continuar dando mais ouvidos ao seu coração que à metáfora de Dédalo, certamente! E tentará sempre voar tão alto quanto possa, sem o receio de cair na água, como seu amigo mitológico.
A. L.

Nenhum comentário: